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25 abr

Morre o genial Roberto de Regina, referência da música barroca e fundador da Camerata Antiqua

Publicado em: Camerata Antiqua de Curitiba por: viridiana
Coro da Camerata faz homenagem a Roberto De Regina.
Curitiba, 11/07/2022.
Foto: Cido Marques

A Camerata Antiqua de Curitiba comunica, com profundo pesar, o falecimento de seu maestro emérito, Roberto de Regina, aos 98 anos, no Rio de Janeiro. Carioca, ele foi uma das figuras mais singulares e inspiradoras da música brasileira, reconhecido por seu virtuosismo ao cravo, pela dedicação à preservação e difusão da música antiga no Brasil e, além dos palcos, pela atuação como médico anestesista.

Em 1974, ao lado da cravista Ingrid Müller Seraphim e de instrumentistas igualmente apaixonados pela música renascentista e barroca, fundou a Camerata Antiqua de Curitiba – conjunto vocal e instrumental que se tornaria referência nacional e internacional na interpretação de repertórios antigos e sacros. Desde os primeiros ensaios, Roberto assumiu a regência do grupo e, com Ingrid, moldou a identidade da Camerata, marcada pelo rigor histórico e pela profunda expressividade musical.

“Roberto de Regina foi um artista da Renascença. Ao fundar a Camerata Antiqua, ele ajudou a transformar Curitiba em um dos polos da música de concerto no Brasil. Seu legado ultrapassa o palco e ele plantou sementes que florescem até hoje em cada apresentação do grupo. Recordo com carinho os momentos em que Roberto esteve conosco, era uma pessoa especial e iluminada”, afirma Marino Galvão Júnior, presidente da Fundação Cultural de Curitiba.

Afinidade

Ingrid coordenava, preparava e conduzia os ensaios, muitas vezes abrindo as portas de casa para que a música acontecesse. Sua parceria com Roberto era além de profissional, era uma afinidade de ideais e sonhos.

“Perder o Roberto é profundamente doloroso. Mas quando penso em tudo o que ele fez e construiu no Brasil e, em especial, em Curitiba, o sentimento que prevalece é a gratidão. Nossa convivência foi marcada por uma paixão intensa pela música, e só posso lembrar dele com carinho, amizade e admiração”, disse Ingrid.

Sob sua batuta, a Camerata gravou seus primeiros discos Dietrich Buxtehude e Outros e La Noce Champêtre e passou a se apresentar em importantes palcos brasileiros. Mesmo com a chegada de novos maestros ao longo dos anos, como Paulo Bosísio, Jamil Maluf e Lutero Rodrigues, Roberto sempre esteve presente regendo, orientando, compartilhando partituras raras. Ele permaneceu ligado ao grupo como maestro emérito, acompanhando de perto sua trajetória.

Em sua última homenagem em vida feita pela Camerata, o coro do grupo foi ao Rio de Janeiro, em 2022, para uma série de apresentações celebrando seus 95 anos, com regência de Mara Campos. Roberto esteve no concerto na Sala Cecília Meireles, onde foi calorosamente ovacionado.

“Roberto deixa um legado que vai além das partituras. Deixa uma forma de pensar e viver a arte por inteiro, com beleza e generosidade. Que sua vida continue a nos inspirar”, disse Janete Andrade, coordenadora artística da Camerata Antiqua de Curitiba.

Em 2024, na celebração dos 50 anos da Camerata Antiqua de Curitiba, já sem forças para vir à cidade, Roberto de Regina enviou uma mensagem gravada do Rio de Janeiro, exibida no telão durante o concerto comemorativo. “Tenho uma filha, uma menina muito querida por todos, que este ano completa 50 anos, e só tenho a agradecer a todos pelo cuidado e zelo que Curitiba tem tido com essa criança”, disse, emocionando o público, ao se referir à Camerata como sua criação mais afetuosa.

Biografia

Autodidata e criador inquieto, Roberto se dedicou não apenas à performance musical, mas também à construção artesanal de cravos, instrumentos de rara presença na América Latina. Estudou com mestres artesãos em Boston, dominou a técnica e trouxe ao Brasil a possibilidade de ouvir o cravo com sonoridade histórica e identidade própria.

Instalado no sítio onde construiu a Capela Magdalena, em Guaratiba (RJ), local que ele mesmo projetou e pintou, Roberto promovia experiências imersivas com concertos à luz de velas, visitas guiadas e recepções temáticas, onde música e história se uniam. Seu espaço se tornou um verdadeiro templo da arte e do tempo, onde cada apresentação era uma viagem ao século XVIII.

Foi também autor do livro Memórias de um Sargento de Malícias, que acompanha o DVD da Farsa Madrigalesca com música espanhola da Renascença. Sua trajetória foi documentada no filme O Cravista, de Luiz Eduardo Ozório, que acompanhou sua rotina por mais de uma década, revelando uma vida pautada pela elegância, pelo rigor e pelo amor à arte.

Sua contribuição foi amplamente reconhecida. Em 2023, recebeu o título de Honoris Causa da Academia Brasileira de Belas Artes. Em 2025, no dia 21 de fevereiro, foi agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concedido pelo Departamento de Instrumentos de Teclado da Escola de Música.